Promotor
Centro Cultural e Congressos - Caldas da Rainha
Sinopse
António Zambujo Voz e Violão
Um dia, num qualquer futuro mais ou menos distante, dir-se-a que este disco e um dos mais importantes da carreira de Antonio Zambujo. Nao por se julgarem menores alguns dos albuns que o antecederam e ainda menos pela qualidade de todas as cancoes que ainda nao compos ou deu voz. Simplesmente porque Voz e Violao sera sempre associado a um tempo que nos provou o quanto somos frageis e o quanto precisamos de nos repensar numa urgencia do que e essencial.
O ultimo trabalho de Antonio Zambujo tem a marca dessa urgencia. O que somos, o que de nos fica, se nos libertarmos de toda a carga? O que somos, o que de nos fica, se procurarmos o despojamento e o sentido do que nos move, do que e importante e menos importante, da procura do que nos faz unicos, mas ainda assim parte de um todo?
Voz e Violao e tudo isso. Representa um sentimento de pertenca ao pais que continua a ser a sua casa de partida, mas tambem de viagem, de descoberta, inevitavelmente de encontro com outras linguas, culturas, pessoas. As suas cancoes unem mundos e tornam possivel um concilio entre o que antes parecia impossivel de conciliar. Zambujo faz do que canta uma marca do que foi o seu caminho: das planicies alentejanas que o moldaram ao cosmopolitismo que solidamente construiu esta tambem o antivirus para o que este tempo trouxe de lodo, de ressentimento, de medo do que e diferente, de xenofobia, de radicalismo.
A musica de Antonio Zambujo e tudo isso.
E apenas com o seu violao, despojado de mais vida, oferece-nos um grito silencioso feito de palavras que nos obrigam a ser gente, que nos obrigam a nao desistir de acreditar que atras das nossas portas fechadas continua a existir mundo, continuam a existir pessoas que podemos amar, continua a existir memoria, falha, conviccao e novas ideias.
Antonio Zambujo nao precisa de ser adjetivado. Ele diz as palavras como se elas lhe pertencessem por inteiro. Como se mais ninguem as tivesse dito antes. Quando ele canta amor e uma sinfonia que lhe sai da boca, e como aqueles cozinhados da infancia em que o sabor nunca nos sai do paladar mesmo que dele nao nos lembremos. Ouvi-lo neste seu ultimo disco apazigua-nos sem nos adormecer. Nao e um apaziguamento que nos livra da inquietude e ainda menos um mar calmo que nos condena a alegria ou a bacocas promessas de felicidade. Neste disco e em todos os albuns de Zambujo nao se sai da mesma maneira. Que melhor definicao de arte podemos encontrar do que essa? Sobretudo numa altura em que na musica, na literatura ou no cinema o que e lido, visto e ouvido tem a marca da previsibilidade, da ausencia de surpresa, do divertimento sem mais.
A sua voz e um passaporte, uma chave-mestra, um ponto de encontro. Ouvimos o cisma e o cante alentejano, ouvimos o fado e a MPB, ouvimos mornas e somos testemunhas do milagre de transformar o que canta numa nova pertenca. Interpreta Nat King Cole sem nunca perder a essencia do que e ou defraudar o espirito dos que combateram sempre, como Cole, todas as formas de racismo. Antonio Zambujo incorpora o que lhe e diferente sem nunca deixar de ser ele, quase como se tivesse o poder, a magia, de conseguir tornar todos os estilos de musica num unico, o seu.
Voz e Violao sucede ao aclamado Do Avesso.
Um dia, num futuro mais ou menos distante, alguem dira que e um album de transicao. Um trabalho que existe apenas para permitir que Antonio nos possa bater a porta de casa e entrar sem mascara e sem mascaras. Bater a nossa porta e connosco beber um copo de vinho e cantar palavras tranquilas e inquietas.
Cancoes de amor perdido e recomeco com um Lote B, escrito por Pedro da Silva Martins, que sera cantado em todas as ruas onde possa existir um desencontro sem deixar de existir futuro.
Cancoes de infancia e juventude com uma visita de estudo que ficara para a sua historia num poema de uma admiravel simplicidade de Maria do Rosario Pedreira. Cancoes em que canta sobre o envelhecimento extraordinario como ele e uma mulher quando canta sem nunca deixar de ser homem.
Cancoes em que desaparafusa a vida com a simplicidade dos grandes.
Apenas ele e o violao mais os poemas que canta onde se destaca tambem Miguel Araujo com Piao de Corda ou o seu filho Diogo que nos propoe olhar o universo de uma outra forma.
Apenas ele e o violao mais a Rosinha dos Limoes que diz como ninguem. Ou a revisitacao que faz de tres ou quatro temas que ouvimos noutras vozes.
Interessante que a ultima cancao seja Adeus Parceiros das Farras (Mascarenhas Barreto e Antonio Santos), tema que Antonio Zambujo canta como uma oracao, quase num pranto imperfeito que ele torna ou eu imagino que torna numa prece pelos que se perderam neste tempo que aqui ficara plasmado.
Escrevo estas linhas enquanto o oico.
E estou grato pelo privilegio de me ter tocado a porta e entrado mais o seu violao e as palavras que diz como se mais ninguem antes as tivesse dito.