Produtor
A Circular - Associação Cultural
Sinopse
A relação entre o gesto físico de um instrumentista e a sua materialização sonora através de um instrumento musical assumiu, até ao advento da eletricidade, uma forma clara onde os códigos de percepção das partes intervenientes se foram sedimentando e produzindo concepções generalizadas sobre aquilo que é som e música. Com as devidas exceções, sendo uma das mais notáveis a do órgão de tubos, a produção sonora baseou-se num sistema bem definido, que incluía a linguagem musical, a execução manual de um instrumentista e um dispositivo de emissão sonora junto de si - o instrumento.
Nestas situações, um gesto físico, no ato de um sopro, uma arcada ou na percussão de um idiofone, traduz-se num resultado facilmente entendido e decifrado pelo ouvinte. No entanto, esta relação, aperfeiçoada ao longo de séculos, produziu também uma série de efeitos colaterais. O gesto e a fisicalidade associada à execução instrumental passaram também a ser entendidos como uma articulação de graus de dificuldade mensuráveis e nos quais se valorizam os níveis superiores.
Esta obsessão, justificada pela própria evolução da música ocidental, foi introduzindo subliminarmente normas de apreciação, análise e aprovação das obras musicais não só pelo seu conteúdo musical, mas também pelo grau de dificuldade técnica, nos níveis composicionais e instrumentais. A transição para o século XX, com a introdução da eletricidade e a abertura ao ruído como elemento primordial na construção musical, afigurou-se assim como a grande promessa de uma música realmente livre e concentrada na sua essência - o som. Não só se libertou o som, como a sua representação passou a ser múltipla, afastando-se da típica relação bidimensional palco / plateia e das sequências temporais lineares. Mas também esta promessa, acentuada pelas constantes incisões das inovações e revoluções eléctricas e electrónicas, acabou por se consumir e produzir os seus próprios paradoxos.
Algumas das problemáticas inverteram-se, e a tecnologia revelou-se, talvez mais do que nunca, um simples artefacto que através de várias formas evolutivas serviu apenas de mediador do complexo processamento e materialização do pensamento musical. Esta peça, ao combinar a visceralidade física da percussão com uma perspetiva eletrónica que lhe é complementar, utiliza estas propriedades como elementos expressivos e onde se reforça a força sublime dos gestos do som, da forma como o sentimos e como o percebemos. Mais do que tentar solucionar problemáticas específicas, procura-se ir de encontro ao ponto inicial de qualquer obra a organização do som e dos seus significados.
* Devido à situação actual de pandemia, a participação prevista de Richard Barrett no espectáculo "Gestos Invisíveis" foi cancelada.