Promotor
Associação Zé dos Bois
Sinopse
Podemos com alguma razão desconfiar da sound art enquanto terminologia meio vazia que planta a prática "artística" do som no meio galerista como forma de legitimação pela alta cultura, mas não existe grande forma de o contornar ao falar de Lea Bertucci. E não existem razões para tal: exemplo clemente, como outros que felizmente ainda dão ao termo algum valor e sentido interno, Bertucci estabelece na abordagem ao som relações entre os "fenómenos acústicos e a ressonância biológica". Bagagem conceptual que aqui se materializa na verdade, num trabalho que tem sempre procurado criar elo de cumplicidade entre as fontes de som — maioritariamente o saxofone alto e o clarinete baixo — e o espaço acústico que as envolve, e que nesse processo encaixa todo um lado humano que geralmente se dissipa na névoa da conceptualização. A sound art como parte importante — atestada no trabalho multifónico para museus ou sinergias com a dança e o teatro — mas limitada pelas fronteiras de uma obra onde a composição e a performance têm um peso fundamental. Vital.
Com a composição devidamente postulada em 'All That Is Solid Melts Into Thin Air', em esquiva aos sopros com uma escrita para cordas em contínuo com as premissas das formas e extended techniques que irradiam do fôlego solista, 2018 iluminou de forma mais ampla a sua visão com a edição de 'Metal Aether' pela NNA Tapes. Continuando um trajecto de interacção constante entre o espaço e o som que vem desde 2012 sendo explorado com a fé de grandes como Pauline Oliveros ou John Surman 'Metal Aether' culminou três anos de ofício em torno do saxofone e da fita com respectiva reverência em meios como a Pitchfork ou inevitável a Wire — com lugar na lista dos melhores discos desse ano. Das pirâmides Maias ou subterrâneos urbanos de 'Metal Aether' ao Marine Grade A Elevator em Buffalo para 'Resonant Field' seguimos a artista sediada em Nova Iorque a sondar novas abordagens ao saxofone com vista ao espaço circundante, reagindo com a reverberação desse silo magnânimo numa conjura harmónica que enreda a suspensão temporal de alguém como o Phil Niblock com a convulsão benigna do Evan Parker mais encantador de serpentes. Campos sensoriais de ruídos concretos, silêncios e notas espectrais. Imersiva, como o são as obras mestras do minimalismo, do drone ou da electroacústica — campos várias vezes geminados — sem se fixar em nenhuma corrente per se, é uma música de invocação, plena de possibilidades e muito humana. Aqui sujeita ao carisma do Aquário, após visita ao Barreiro no Out.fest de 2018. BS
Abertura de Portas
21h00